1 de setembro de 2012


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Queria fazer-lhe uma pergunta, disse o doutor Cardoso, o senhor conhece os médecines philisophes? Não,confessou Pereira, não conheço, quem são? Os principais são Théodule Ribot e Pierrre Janet, disse o doutor Cardoso, foram os textos deles que estudei em paris, são médicos e psicólogos, mas também filósofos, defendem uma teoria que me parece interessante, a da confederação das almas. Explique-me essa teoria, disse Pereira. Pois bem, disse o doutor Cardoso, acreditar que somos uma nidade independente, destacada da incomensurável pluralidade dos p´roprios eus, representa uma ilusão, aliás ingénua, de uma tradição única cristã, o doutor Ribot e o doutor Janet vêem a personalidade como uma confederação de várias almas mas, porque a verdade é que temos várias almas dentro de nós, uma confederação que acetia o domínio de um eu hegemónico. O doutor Cardoso fez uma pausa e depois continuou: o que se chama norma, ou o nosso ser, ou a normalidade, é apenas um resultado, mão uma premissa, e depende do controlo de um eu hegemónico que se impôs na confederação das nossas almas; caso surja um outro eu, mais forte e mais poderoso, ele vai destronar o eu hegemónico e tomar o seu lugar, passando a dirigir a coorte das almas, ou ser destronado por seu turno por outro eu hegemónico, por ataque directo ou por uma paciente erosão. 



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Afirma Pereira, Antonio Tabuchi

30 de agosto de 2012




Tal como o Som e a Fúria, perplexa, atónita, ausente. 

Um livro que nos vai envolvendo num abraço de repulsa e asco. A história é cruel, mas não foi isso que me transtornou mas a escrita deste grande autor, William Faulkner. Uma narrativa envolta em nevoeiro, factos que gradualmente vão construindo uma história cada vez mais negra, mais  nauseante. 



" Temple bocejou, tapando a boca com a mão, e depois tirou uma caixinha de pó de arroz e abriu-a, aparecendo um rosto em miniatura, taciturno, insatisfeito e triste. O pai estava sentado ao lado dela com as mãoes cruzadas sobre o punho da bengala e o traço fino do bigode perlado pela humidade, como prata overlhada. Ela fechou a caixinha e, por baixo do chapéu novo todo janota, parecia seguir com os olhos as ondas musicais, até elas se dissolverem nos acordes morrentes dos metais na outra margem do lago, no semicírculo arborizado onde, a lúgubres intervalos, sonhavam serenas as rainhas mortas de mármore já manchado, daí perindo ao céu, prostrado e vencido no abraço da estação da chuva e da morte." 


Santuário, William Faulkner


29 de agosto de 2012

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But even more than her diary, Shimamura was surprised at her statement that she had carefully cataloged every novel and short story she had read since she was fifteen or sixteen. The record already filled ten notebooks.
"You write down your criticisms, do you?"
"I could never do anything like that. I kust write down the author and the characters and how they related to each other. That is about all."
"But what good does it do?"
"None at all."
"A waste of effort."
"A complete waste of effort," she answered brightly, as though the admission meant little to her. She gazed solemnly at Shimamura, however.
A complete waste of effort. For some reason Shimamura wanted to stress the point. But, drawn to her at that moment, he felt a quiet like the voice of the rain flow over him. He knew well enough that for her it was in fact no waste of effort, but somehow the final determination that it was had the effect of distilling and purifying the woman's existence.


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Snow Country, Yasunari Kawabata


31.8.2012


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O belo só o é quando ultrapassa o simplesmente visível. É isso que o distingue do fastidioso e desinteressante «giro». Só o invisível torna visível a beleza das mulheres realmente belas, concluo, temporariamente com satisfação.



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Cala a Tua Boca Com a Minha, Pedro Paixão  


5.7.2012

27 de maio de 2012

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     Mas ainda tenho outras recordações sufocadas, que se desdobram agora em monstros de dor desprovidos de membros. Uma vez, numa rua de Beardsley envolta no poente, ela voltou-se para a pequena Eva Rosen (eu levava as duas ninfitas a um concerto e caminhava atrás delas, mas tão perto que quase lhes podia tocar com o meu corpo), voltou-se para Eva e, muito serena e seriamente, em resposta a qualquer coisa que a outra dissera acerca de ser melhor morrer do que ouvir Milton Pinski, um estudante qualquer que ela conhecia, falar de múscia, a minha Lolita observou:
     - Sabes, o que há de tão terrível em morrer é que ficamos completamente entregues a nós próprias. 

     Pensei então, enquanto os meus joelhos de autómato subiam e desciam que não sabia nada a respeito da mentalidade da minha querida e que, possivelmente, atrás dos horríveis clichés juvenis, havia nela um jardim e um crepúsculo, e o portão de um palácio - vagas e adoráveis regiões que me eram lúcida e absolutamente proibidas, nos meus farrapos poluídos e nas minhas miseráveis convulsões. 



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Lolita, de Vladimir Nabokov. 

5 de maio de 2012

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Escapar às classificações. Esta é uma das características da Arte Bruta - um universo que, sublinha Berst, é difícil definir ou limitar. O termo surgiu em 1945 com o artista francês jean Dubuffet, que procurou reunir obras que se enquadrassem nesse tipo de arte. « Dubuffet usava a palavra bruto no sentido de intocado, cru, puro como os diamantes. É a arte que existe pela arte, não para os mercados ou para os museus». Muita dela é feita por pessoas com perturbações mentais, o que fez com que, já no final do século XIX «alguns psiquiatras começassem e olhar para os trabalhos dos pacientes como mais do que manifestações da doença, como obras de arte.»

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Que não se alimentem ilusões. As pessoas nada têm a dizer umas às outras, sabido é que cada qual só fala das suas próprias mágoas. Cada um para si, a terra para todos. No momento do amor tentam desfazer-se das mágoas em cima do outro, mas a coisa não se resolve, mesmo que tentem com elas por inteiro e recomeçam, uma vez mais tentam despachá-las. (...) E entretanto vão-se gabando de ter conseguido livrar-se das mágoas mas, claro está, todos sabem muito bem que não é verdade, que as guardaram todas muito bem guardadas só para eles. E como nos vamos tornando cada vez mais feios e repugnantes neste jogo, enquanto envelhecemos, já nem sequer podemos dissimular a mágoa e o fracasso, acabamos por ter o rosto bem marcado por esse horrível esgar que leva vinte, trinta anos ou mais a subir-nos da barriga até à face. Para isto, apenas para isto um homem serve, para um esgar que leva uma vida inteira a confeccionar e talvez nem chegue a ficar pronto, já que seria muito pesado e complicado o esgar que exprimisse a sua verdadeira alma por inteiro, sem nada se perder.


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Viagem ao Fim da Noite, Louis Ferdinand Céline









17 de março de 2012

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Hungry ghost is a Western translation of Chinese 餓鬼 èguǐ, a concept in Chinese Buddhism and Chinese traditional religion representing beings who are driven by intense emotional needs in an animalistic way.

The Chinese concept is related to the preta in Buddhism more generally. These beings are "ghosts" only in the sense of not being fully alive; not fully capable of living and appreciating what the moment has to offer.

The English term has often been used metaphorically to describe the insatiable craving of an addict.

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15 de janeiro de 2012

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Percebi, agora já com alguma distãncia, penso que finalmente te percebi.

Já me tinhas mostrado como iria ser quando numa noite te contei uma feia parte de mim. Penso que depois nunca mais te falei no assunto, "a situação com o meu pai" sempre uma referência e não uma conversa, não vás tu assustar-te outra vez.

Duas tentativas. Um mês a ir para aquele sítio. As cartas. A casa a desmoronar-se. Até as pequenas coisas deixaram de fazer sentido.

Manter-me em pé perante ela, perante eles Fazer as cadeiras e manter-me mentalmente sã, estável, equilibrada, serena perante vocês.
Não consegui, tinha que falhar em algum ponto, tinha que explodir para algum lado, algo teria que quebrar.
Foi com vocês. Percebi e pedi-vos desculpa.
Ela compreendeu, perdoou e ficou. Tu, enfim.

Diz-me meu querido como é possível passar pelas "situações" inabalavelmente? Inquebrável? Razoável? Os meus pilares por momentos desapareceram, tudo ruiu. Como esperavas que ficasse igual?

Talvez as férias tenham sido o pior momento: sem a rotina da faculdade, enfiada em casa, sem a cabeça ocupada pelos exames, sem ti. O pensamento começa a fugir ao meu controlo, mais do que antes. As inseguranças (agora maiores do que nunca), os medos, as paranóias, tudo aflorou à superfície.
Foi assim que lidei, não foi a forma correcta nem a incorrecta. Não há forma "normal" para de conviver com o assunto.
E fizeste-me sentir tão mal, a culpada. A lunática, a descompensada, a insegura, a louca. Uma parte de mim tinha de ceder.

E lá foste. Já me tinhas mostrado, formas subtis as tuas, que não ias ficar muito tempo, que estava a ser demasiado para ti. Umas frases aqui, uns gestos ali, eu lá ia reparando, mas sempre insegurança minha, assim o justificavas. Aumentaste-a, se tivesses sido sincero desde o início "Querida, sejamos razoáveis, acha mesmo que vou esperar até que se recomponha? A menina não está lá muito bem mas isso não tem que ser um problema meu, tem?". 

Mal pudeste, saltaste do barco. Demais para ti. Há limites, claro.

Deste-me a entender como és: não falas, reages para dentro. Suponho que para isto resultar também eu deveria ser assim, devia guardar para mim, interiorizar, implodir. Partilhar contigo e receber até certo ponto, a partir daí já é demais.

Percebo agora o que falhou. Encontrei finalmente o porque. Posso deixar de me culpar, cortar finalmente as amarras que até há bem pouco mantia (agora seria depois de terapêutica).
Entendo que acabou, só agora o admito. Por mais cativante que tenhas parecido, o sentimento de abandono na altura que mais precisava é repulsivo.

Foi este o motivo que te pedi: saltaste do barco quando começou a entrar água. Tu, o que supostamente devia ter ficado comigo, foi o que abalou.