27 de maio de 2012

"



     Mas ainda tenho outras recordações sufocadas, que se desdobram agora em monstros de dor desprovidos de membros. Uma vez, numa rua de Beardsley envolta no poente, ela voltou-se para a pequena Eva Rosen (eu levava as duas ninfitas a um concerto e caminhava atrás delas, mas tão perto que quase lhes podia tocar com o meu corpo), voltou-se para Eva e, muito serena e seriamente, em resposta a qualquer coisa que a outra dissera acerca de ser melhor morrer do que ouvir Milton Pinski, um estudante qualquer que ela conhecia, falar de múscia, a minha Lolita observou:
     - Sabes, o que há de tão terrível em morrer é que ficamos completamente entregues a nós próprias. 

     Pensei então, enquanto os meus joelhos de autómato subiam e desciam que não sabia nada a respeito da mentalidade da minha querida e que, possivelmente, atrás dos horríveis clichés juvenis, havia nela um jardim e um crepúsculo, e o portão de um palácio - vagas e adoráveis regiões que me eram lúcida e absolutamente proibidas, nos meus farrapos poluídos e nas minhas miseráveis convulsões. 



"
Lolita, de Vladimir Nabokov. 

Sem comentários: