27 de maio de 2012

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     Mas ainda tenho outras recordações sufocadas, que se desdobram agora em monstros de dor desprovidos de membros. Uma vez, numa rua de Beardsley envolta no poente, ela voltou-se para a pequena Eva Rosen (eu levava as duas ninfitas a um concerto e caminhava atrás delas, mas tão perto que quase lhes podia tocar com o meu corpo), voltou-se para Eva e, muito serena e seriamente, em resposta a qualquer coisa que a outra dissera acerca de ser melhor morrer do que ouvir Milton Pinski, um estudante qualquer que ela conhecia, falar de múscia, a minha Lolita observou:
     - Sabes, o que há de tão terrível em morrer é que ficamos completamente entregues a nós próprias. 

     Pensei então, enquanto os meus joelhos de autómato subiam e desciam que não sabia nada a respeito da mentalidade da minha querida e que, possivelmente, atrás dos horríveis clichés juvenis, havia nela um jardim e um crepúsculo, e o portão de um palácio - vagas e adoráveis regiões que me eram lúcida e absolutamente proibidas, nos meus farrapos poluídos e nas minhas miseráveis convulsões. 



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Lolita, de Vladimir Nabokov. 

5 de maio de 2012

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Escapar às classificações. Esta é uma das características da Arte Bruta - um universo que, sublinha Berst, é difícil definir ou limitar. O termo surgiu em 1945 com o artista francês jean Dubuffet, que procurou reunir obras que se enquadrassem nesse tipo de arte. « Dubuffet usava a palavra bruto no sentido de intocado, cru, puro como os diamantes. É a arte que existe pela arte, não para os mercados ou para os museus». Muita dela é feita por pessoas com perturbações mentais, o que fez com que, já no final do século XIX «alguns psiquiatras começassem e olhar para os trabalhos dos pacientes como mais do que manifestações da doença, como obras de arte.»

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Que não se alimentem ilusões. As pessoas nada têm a dizer umas às outras, sabido é que cada qual só fala das suas próprias mágoas. Cada um para si, a terra para todos. No momento do amor tentam desfazer-se das mágoas em cima do outro, mas a coisa não se resolve, mesmo que tentem com elas por inteiro e recomeçam, uma vez mais tentam despachá-las. (...) E entretanto vão-se gabando de ter conseguido livrar-se das mágoas mas, claro está, todos sabem muito bem que não é verdade, que as guardaram todas muito bem guardadas só para eles. E como nos vamos tornando cada vez mais feios e repugnantes neste jogo, enquanto envelhecemos, já nem sequer podemos dissimular a mágoa e o fracasso, acabamos por ter o rosto bem marcado por esse horrível esgar que leva vinte, trinta anos ou mais a subir-nos da barriga até à face. Para isto, apenas para isto um homem serve, para um esgar que leva uma vida inteira a confeccionar e talvez nem chegue a ficar pronto, já que seria muito pesado e complicado o esgar que exprimisse a sua verdadeira alma por inteiro, sem nada se perder.


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Viagem ao Fim da Noite, Louis Ferdinand Céline