5 de maio de 2012

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Que não se alimentem ilusões. As pessoas nada têm a dizer umas às outras, sabido é que cada qual só fala das suas próprias mágoas. Cada um para si, a terra para todos. No momento do amor tentam desfazer-se das mágoas em cima do outro, mas a coisa não se resolve, mesmo que tentem com elas por inteiro e recomeçam, uma vez mais tentam despachá-las. (...) E entretanto vão-se gabando de ter conseguido livrar-se das mágoas mas, claro está, todos sabem muito bem que não é verdade, que as guardaram todas muito bem guardadas só para eles. E como nos vamos tornando cada vez mais feios e repugnantes neste jogo, enquanto envelhecemos, já nem sequer podemos dissimular a mágoa e o fracasso, acabamos por ter o rosto bem marcado por esse horrível esgar que leva vinte, trinta anos ou mais a subir-nos da barriga até à face. Para isto, apenas para isto um homem serve, para um esgar que leva uma vida inteira a confeccionar e talvez nem chegue a ficar pronto, já que seria muito pesado e complicado o esgar que exprimisse a sua verdadeira alma por inteiro, sem nada se perder.


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Viagem ao Fim da Noite, Louis Ferdinand Céline









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